quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Yeah...this is gonna end up right...

Primeira exposição pública nuns jogos florais...isto vai correr mal...

No dia marcado acordou trôpego, como lhe era costume. O ar fresco da manhã inundou, pela janela entreaberta, o humilde quarto que lhe servia de abrigo, forçando-o a deixar para trás o conforto uterino da cama. Esfregou os olhos com os punhos cerrados numa derradeira tentativa de espantar o sono e os sonhos que a ele nos prendem. Como não fosse suficiente borrifou a cara com água no quarto de banho contíguo, na esperança vã de assim lavar de si o preguiçoso pecado capital. Dirigiu-se à cozinha numa moleza glandular e pôs a cafeteira ao lume. Sentou-se. Não tardou muito a sentir o aroma reconfortante do café. Seria destas pequenas coisas que iria sentir mais saudades. Serviu-se de uma chávena e encaminhou-se para o alpendre, onde as tábuas podres do chão, roídas pelas térmitas, rangiam à passagem da brisa matinal por entre as suas frestas. O velho Lorde lá estava, deitado, indiferente ao inexorável passar das luas que marca, numa estranha simbiose, o destino dos homens e dos cães. Passou-lhe as mãos pelo lombo, 'estás magro, meu velho', e sentou-se na cadeira de baloiço. Enrolou um derradeiro cigarro como um refugiado enrola os despojos de uma vida numa trouxa. Recostou-se na cadeira olhando os campos verdes que se lhe estendiam diante dos olhos, debruados pela fresca água corrente da ribeira das canas. Fechou os olhos. Veio-lhe à memória a imagem do seu avô, velho discípulo de José, e pensou no quão semelhante a ele se havia tornado. A mesma barba escanhoada, o mesmo corpo seco e ossudo, a mesma pele enrugada, a mesma cara chupada com órbitas salientes e, sobretudo, o mesmo desdém pela suposta imbecilidade dos outros, esse pedantismo genético que veio a ser a perdição de ambos. E lembrou-se, vá-se lá saber porquê, das raparigas de saias rodadas da sua adolescência roubada, da imensa felicidade que escondiam no seu regaço. Deixou-se perder nesses pensamentos, recordando, entre ténues passas no cigarro, o inebriante cheiro exalado pelas doces raparigas das saias rodadas, as eternas raparigas das saias rodadas, as malditas raparigas das saias rodadas que, de modo inapelável, o condenaram à perdição perpétua. Se fosse hoje, faria tudo de novo. Todos os risos, todos os choros, todas as pândegas, todas as patifarias. Tudo. Em dose reforçada. Abriu os olhos, voltou-se para o cão, “Está um belo dia”. O cão ganiu ligeiramente, voltando a enterrar a cabeça entre patas, numa indiferença olímpica de velho acabado. Havia umas semanas que lhe tinha aparecido um quisto na barriga. Desde então mantinha-se quieto, esperando em sofrimento solitário o fim. Ambos sabiam que era assim e, como dois velhos amigos, simplesmente mantinham um silêncio cúmplice sobre o assunto.
Tornou a olhar o horizonte longínquo e deu por si a cantar a moda da Mariana campaniça:

“É tão longe do céu à terra,
Como é da morte à vida”

Interrompeu-o um rumor de passos que se encaminhava na sua direcção vindo das traseiras. Deu uma derradeira passa no cigarro. Uma porta bateu. Sentiu tocarem-lhe o ombro. O cão continuou impávido.

“Estás pronto?”
'Faz o que tens a fazer.'
E fê-lo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Mentira, sempre a mesma mentira. Porra!

A mentira continua e de cada vez que vejo as notícias sinto, parafraseando o Sérgio Godinho, "uma raiva a crescer-me nos dentes". Quando os últimos desenvolvimentos pareciam indicar um possível rumo à razoabilidade, eis que Merkel e Mini Me decidem reforçar a sua narrativa de moralismo económico, segundo a qual os pecadores/gastadores devem penitenciar-se dos seus pecados pela austeridade virtuosa, e logo os líderes (?) europeus começam a ladrar a conversa do dono. Até o Van Rompuy já veio propor que, para além da efectiva perda de soberania e suspensão da democracia nos países incumpridores ( esses malandros) , os excutores testamentários, vulgo governos, dos ditos não possam votar nas decisões das instituições comunitárias. Pergunto-me, quantas mais humilhações teremos que sofrer até que o nosso primeiro-ministro faça um ténue gesto de repúdio? A ultima vez que o nosso país sofreu uma humilhação semelhante tivemos uma  revolução e eu só lamento não haver um par que homens valentes que queiram que o seu país seja algo de decente!

Mas o que verdadeiramente me indigna é a mentira repetida ad nausem que nos estão a pregar. Dizem-nos Merkel  e Mini Me que estamos a pagar por termos sido uns estroinas e que temos que seguir o caminho alemão: Conter salários, ganhar competitividade e passar a ter excedentes comerciais. Pois sabem os ditos senhores que isto é uma impossibilidade aritmética! Não é possível todos passarem a ter excedentes simultâneamente. Numa zona de comércio os défices de uns não são mais do que a contra-parte dos excedentes de outros e o que se está passando é mesmo isso: um conjunto de défices externos nos países periféricos que surgem como contra-parte dos excedentes dos países do centro e que perante uma arquitectura deficiente da moeda única se tornam num alvo apetecível do clamor dos mercados, senão atentemos no seguinte gráfico retirado do Krugman:




E como foi este excedente atingido pela Alemanha? À custa do salário dos trabalhadores alemães! Atentemos no relatório da distribuição de riqueza hoje divulgado pela OCDE:




Um aumento tremendo na diferença entre o rendimento dos mais ricos e o rendimento dos mais pobres.

É isto o que nos espera. É este o plano. É a isto que estamos a assistir com medidas como a anunciada ontem pelo ministro da saúde: uma brutal transferência de rendimentos dos mais pobres (os tais 99%) para os mais ricos! E Portugal que, nos últimos anos, tinha conseguido reduzir um pouco a sua crónica e elevada desigualdade  de rendimentos, fruto de políticas sociais que não só resultam, como são necessárias (e sim, estou aqui a incluir o rendimento mínimo!), vai retroceder bastante com este empobrecimento desnecessário.

O que mais me perturba no meio de tudo isto é os senhores que mandam nos quererem fazer passar por parvos. Perturba-me tanto que cada vez mais sinto a vontade de desistir e fugir desta Europa demente, porque a minha filha tem o direito a crescer num sítio em que esperança não seja uma palavra vã.